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Enfermagem Contemporânea, será que a academia está a acompanhar a evolução?


Nas últimas duas décadas a enfermagem deu sem dúvida um grande salto na sua imposição enquanto ciência. Mestrados e Doutoramentos em enfermagem conferidos pela academia é, sem qualquer sombra dúvida, demonstração disso mesmo. Por outro lado, também temos enfermeiros a investirem os seus conhecimentos pós-licenciatura em outras áreas do conhecimento, nomeadamente nas áreas da gestão em saúde. Também estes profissionais têm sido reconhecidos pelas suas competências assumindo cargos de gestão pública da saúde de alguma relevância.

Nesta ultima situação, repara-se que o profissional deixa de ser tratado como Enfº passa a ser tratado como Dr., ficando a mensagem subliminar de que não fica bem a profissão enfermeiro assumir determinados cargos, muito em especial na gestão pública. E não vale a pena virem com conversas a convencerem-me do contrário. Já testemunhei um diretor de uma ULS oriundo da profissão de enfermeiro dizer em evento público que tinha mudado de carreira. Fica claramente implícito que para ser diretor de uma ULS não se pode ser enfermeiro. Teria muito mais exemplos que os meus 23 anos nesta profissão permitiram conhecer.

Refletindo: um arquiteto quando assume cargos de gestão/direção passa a ser tratado por Dr? Um engenheiro quando assume cargos de gestão/direção passa a ser tratado por Dr? Não conheço casos em que tal aconteça. Mantêm os seus títulos profissionais da profissão de base, independentemente das formações pós-licenciaturas que lhes confiram competências de gestão/direção. Nesta reflexão devemos identificar a exceção do doutoramento, pois, nesse caso seja em que profissão for adquire-se o titulo de “Professor Doutor”. Excluindo esta exceção, noutras profissões, ditas de elite, a sociedade não vê necessidade de lhes mudar o titulo como forma de legitimar um cargo. Assim, não será inadequado afirmar que estamos perante uma questão de “representação social” das profissões.

Iniciei esta reflexão com a expressão “Nas ultimas duas décadas…”, são 20 anos, é muito tempo. Um tempo onde claramente a representação social da profissão “enfermeiro” não acompanhou a evolução científica da profissão. É um fenómeno que a academia de enfermagem deve estar atenta, é necessário investigar quais as associações fenomenológicas na ação dos profissionais e da sociedade em geral que levam a este acontecimento.

Como enfermeiro, que investiu na área do conhecimento das Organizações e da gestão em saúde, no exercício de cargos de gestão e direção em saúde (ou seja, não exclusiva na área de enfermagem), sem perder o seu titulo de Enfº, estou à vontade para afirmar que há uma grande responsabilidade no comportamento organizacional dos enfermeiros nas organizações de saúde onde a ação de enfermagem acontece. Neste comportamento, diferencio três dimensões de análise.

 Uma primeira que é da responsabilidade do próprio individuo, pois estamos a falar de comportamento e assim sendo é incontornável não responsabilizar o individuo pelo seu comportamento. Uma segunda, que surge da pressão social interna das organizações de saúde e da sociedade em geral, uma pressão muito influenciada pela história de enfermagem em Portugal, não há muito tempo ouvi uma ex-Bastonária da OE, a Sra. Enfª Maria Augusta Sousa afirmar numa sessão de abertura de uma pós-Graduação, o seguinte “… ainda hoje a história de enfermagem em Portugal influencia o posicionamento dos enfermeiros nas organizações de saúde.”. Esta afirmação não era no sentido positivo do “posicionamento” (caso alguém queira distorcer o sentido). Não podia estar mais de acordo, ainda hoje consigo sentir isso. Uma terceira dimensão tem que ver com a educação do profissional na sua academia. O enfermeiro não é preparado na sua licenciatura base para esta responsabilidade organizacional. A vinculação à profissão tem sofrido muito empenho da academia, obviamente que teria que se começar por aí, falta agora ensinar os futuros profissionais de enfermagem que não respeitando a organização onde a enfermagem acontece, não estão a respeitar a profissão. Contudo, há com certeza muita coisa que a academia não ensina e que se não se trouxer de casa, dificilmente haverá evolução.

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